"— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!"
Machado de Asis - Um apólogo
Alguém muito importante na minha vida morreu por estes dias. Foi um enterro veloz, pois todos tinham de voltar à rotina enfática de que a vida continua, ao menos até ali. Momentos como este sempre me deslocam para um outro tempo. Me põem em crise no desconserto inseguro e incerto do vida, através do confuso gesto da amargura do luto. Sim a vida continua mas tatua novamente na minha alma a imagem da cova rasa onde depositei o rosto e corpo que nunca mais verei, já há muito ausente da voz e movimento que agora nunca foram tão vivos.
Sou destes seres que todos os dias lembra-se que vai desaparecer. Acostumei-me a companhia fiel da morte e gosto de caminhar com ela ao meu lado enlaçada à vida. De maneira, que alguns, concluindo-me mórbida, pensam que este luto infindo que trago no peito seja-me um problema ou defeito. Não sinto assim. É no gosto atento da minha e da nossa finitude que transpiro vida. Sem dúvida sofro de melancolia mas creio que não será esta minha causa mortis.
Sigo morrendo um pouco a cada instante sem entender o que a maioria das gentes intitula vida. Minha alegria é feita doutra carne e doutro sangue. Não sofro da obsessão da felicidade, não ouso desejá-la, e se a pronuncio às vezes é por puro descuido com as palavras.
Esta, que enterrei, não pensava assim e partiu mais triste do que eu sou até aqui. Inda quando a tampa do caixão ia descendo eu ouvia irritada doutros que a amavam que ela estava melhor assim...
A epígrafe no alto só explica um pouco desta minha irritação. O resto são palavras desnecessárias.
Cris
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