O inferno são os outros, os outros, os outros mas alguém me adverte que a tal felicidade talvez dependa 30% deles e 70% de mim. Será? Ouço e relativizo meu inferno concluindo que o mais perigoso inimigo talvez more, aqui, bem dentro de mim. E sobre isso ninguém me adverte.É que todo dia penso que poderia mudar certas coisas mas tão rapídamente quanto faço planos os esqueço e procrastino as desejosas transformações.
Num domingo recente quando almoçava num charmoso restaurantezinho natureba nas imediações da Paulista uma falante trupe de teatro, contratada acho que pela Pia Fraus, comia ao meu lado e conversava num tom de voz que não pude deixar de ouvi-los. O mais velho - notei seus cabelos brancos – professoralmente, lembrava com uma outra atriz dos tempos em que faziam teatro com pouco ou sem nenhum dinheiro e completava : “Não havia dinheiro, era uma dureza. Mas havia amor. E como aquilo era bom!” A moça que também embarcara nas nostálgicas lembranças do companheiro contou como foi parar na Inglaterra com uma idéia de apenas mil reais, que sequer existiam.
Sorri. Porque já ia recordando tempos outros meus mais duros mas fartos daquele amor tão familiar que nunca me levaria a Inglaterras. Apenas impulsionara-me na impossível luta pela sobrevivência em direção a idéia de que dias melhores viriam. Vieram? Talvez. Talvez hoje sejam os melhores dias, pois que há sempre agora a sombra do amanhã depois imprevisível a pairar sobre minha cabeça.
Mas onde foi parar o tal amor? Ou seja lá o nome que se der a essa alavanca: tesão, vontade, sonho, delírio, obstinação, loucura, poesia. Em que esquina da minha existência partiu? Partiu?
A necessidade será então a mãe das sinceras realizações? Os necessitados seriam os verdadeiros arquitetos da felicidade humana? O que me falta quando nada parecer faltar?
Podia encerrar por aqui essa conversinha pouco fabulosa. Mas hoje quando caminhava pelas ruas do centro da minha cidade, onde tudo parece que está à venda e nada se compra que possa aplacar essa falta da falta ia pensando doutro modo a mesma coisa.
É que sei lá porque entrei numa loja de bolsas em liquidação. Eram dezenas de bancas com centenas de modelos e outras dezenas de mulheres que as apalpavam. Nenhuma delas me diziam nada, bolsas ou mulheres. E num dado momento irritei-me comigo. E ia cismando o que é que eu estava fazendo ali, se já tinha um número necessário de bolsas e algumas como a que eu levava, feita por minha mãe, tão mais significativas e que ainda suportavam o suficiente do que eu podia carregar.
Saí dali. Não me faltavam bolsas. Nem roupas, nem sapatos, nem o lanche imundo que as pessoas devoravam. Não me faltava nada? Nada?! Quase desesperadamente ergui os olhos para invocar um desejo, uma coisa qualquer que pudesse preencher o sentido da minha existência e vi apenas o céu. Apenas o céu, e juro, tremi quando percebi que precisava imensamente daquele céu que nunca ainda esteve à venda. E passei a cobiça-lo tão distraidamente que cheguei a esbarrar nas gentes e ouvir lá longe as buzinas dos automóveis e os palavrões dos motoristas que irritavam-se comigo porque eu cruzara a rua no sinal vermelho de pedestres. É que nunca me viram consumir o céu naquele dia, acho que nem eu.
Embora não houvesse vento, senti num farfalhar de asas uma brisa que não me despenteva o cabelo mas me refrescava do calor caótico do consumo das inutilidades urbanas.
Sim, inda faltaria algo.
Inda faltaria sempre algo que só se consumiria em mim.
CRIS
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Esse texto é dedicado ao recente amigo mineiro, o diplomata dos afetos, Pedro Paulo. E aí posso publicar o Conto ao Pai?
Comentários
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Uma pena mesmo que bêzinha não poderá estar conosco, mas continuamos na torcida por alguma VIRADA surpreendente que possa viabilizar a ida dela! Ela tem sido uma companheirona, disseminando textos interessantíssimos pra nossa leitura e debate, e tá sempre com um bom-humor transcendente (o que é um tremendo exemplo de resistência), e ainda nos brindando com seus inúmeros emoticons divertidíssimos (depois te mando alguns, impróprios para menores de 88 anos, que ela me mandou)!*rsrs
...
Ahh, o Lamp é divertido pacas!
Ele precisa conhecer um amigo meu, cineasta B tupiniquim chamado Peter
Baiestorff, lá de Palmitos/SC: é o
mestre maior em carnificina e sanguinolência!*rsrs
...
Mas ô peÇoa cricótica (uma crica psicótica? como seria isso?):
vc afinal viu o "Teeth"??
VAGINA DENTATA RULES!!*rsrs
Tremendo libelo XOTA-POWER o filme, e vc ainda reclama, muié??*rsrs
Quando você assistir, vai achar ainda melhor que o "Monólogos da Vagina" (peça que virou filme tbm).
...
Invertendo radicalmente Sartre, podemos também dizer com segurança que OS OUTROS SÃO, CADA QUAL, UMA CHANCE!
Então, com fé e critérios, a aposta sempre é uma aventura divertida (com sofrimentos e prazeres, mas divertida)!
para de olhar pro céu....
Conheceste Ismália?
Do Alphonsus????
então, viu o que aconteceu né?
Glup°°°°°°°
nem vou fazer piadinha quanto aos vazios existenciais que precisam ser preenchidos.
Beijo
Lamp
Não é cobrança não, ein? É boa expectativa!*rsrs
Pq aí vou poder reunir só as insanidades poéticas da galera (e Mathias "sanguinário" Lamp tá convidado também pra tocar o terror por lá, quando estiver tudo tinindo)!*rsrs
É muito comum a busca por essa falta; essa insatisfação difícil de se descobrir. Mas é só refletir bem que se percebe que na verdade não falta nada ou então é preguiça de aproveitar melhor o tempo. Um poema que pra mim aborda bem o existencialismo e a náusea sartreana é o "Os Ombros Suportam o Mundo", do Drummond. Já leu? Fantástico.
O inferno são os outros? Acho que essa fala sartreana tem muito de verdade. Mas como disse o Marlos, se filtrarmos, eles também são uma chance para (com)partilharmos momentos únicos - como costumamos fazer entre nós. Mas o buraco é mais embaixo; então todo cuidado é pouco. hehe.
Abraços, até. =)
O sol, o céu, eu os tenho cá comigo, sempre! Tome posse do seu também!
bjus querida
Pedro Paulo , este poema é absurdo de bom, e quanto ao conto excelente, vai poder publicar?
bjus
São 4 e meia da matina.
Pensei em vir aqui e desancar poemas e poetas.Mas estou de luto.
A Marlyn Chambers morreu.
O Sady Baby também morreu, o maior cineasta deste país depois Ivan Cardoso, que continua muito vivo.
Pior, a heroína Kelly Samara está presa no Rio.
Acho que o mundo tá desabando.
Lamp
pior, não consigo escrever nada.
Meus refluxos noturnos evoluiram para uma ulcera.
Ulcera é pior que refluxo, porém acho melhor.
Ter ulcera é uma coisa digna, refluxo noturno parece imoral, para mim que sou judeu e heterossexual assumido.
Mas tava revendo umas paradas de cinema. Odeio cinema nacional depois de 80, 82.... o último filme brasileiro que assisti foi As sete vampiras, em 86 na Bahia.
Mas então... tava assistindo uma porra de um curta gaúcho...
Caralho por que estou escrevendo isto....?
deixa prá lá, depois ponho no mail minha dúvida gramática e estética, e te consulto sobre isto.
Tô num mau humor do cão.
Cris eu tinha certeza que estes moços que não saem mais daqui tão querendo te comer.
Mas agora, mudei de certeza.
Você tá querendo comer os moleques, se utilizando da tua sofisticação artística morfológica para seduzi-los.
Descobri o teu segredo, você usa o blog para emaranhar jovens sensíveis em tuas teias, e depois crauuus nos carinhas.
Tô agora mesmo escrevendo uma estórinha sobre isto.
depois te mando por e-mail.
bjs.
Lamp
E por acaso o restaurante que você foi, era o Gopala Prasada?
Parabéns pelo texto!
Beeeeijão!
Juro que 10 minutos atrás tinha um texto do Festival Instrumental ali em cima.
Achei estranho mesmo, pq eu fui não via a Dna Crica lá.
Vi o Gilmarzão, a Verona e mais uns arrozes de festa...Elton, Riquinho e taus.
Mas tinha alguma coisa errada, só duas músicas que concorreram eram audíveis, o resto ruim, segundo o meu gosto que é pocotista.
O show do Egberto foi bom, curto mas bom.
Foi uma noite agradável.
Mas hj tem o Arismar, o maior músico vivo do mundo.
As 6 ensaio aberto,
As 10 o Show... acho que ninguém deveria perder.
A tá, vale a pena ver os concorrentes do festival, menos pelas músicas, mais, muito mais pela apresentadora... digna representante do pocotismo cachorrista.
Ah tá, e depois de tudo vem o melhor.... a roda que os músicos fazem lá no bar, yes isto sim é bom.
Quem for afins vai lá.
Lamp (tendo alucinações textuais)
Fui ontem - dia 16 - e você não me viu porque eu estava na coxia enchendo a pança de cerveja enquanto curtia o som.
Sei lá, diz que faz parte da política do novo governo - dar atenção a um público que a gestão Pietá ignorou: entendi que era eu e achei ótimo!
adoro vc nesses dias!!
....
sempre falta você aqui!