Quando inventei o Quintal pensei poder exercitar aqui a escrita obrigando-me dessa forma a escrever todo dia. Depois pensei também que podia coletivizá-lo e danei a convidar gente para dividi-lo. Não rolou. E por quê? Falo por mim. Penso que não se trata de não ter o que dizer. Sou palpiteira, achadora e imaginativa de plantão. Acontece que para soltar as palavras agarradas em minhas tripas geralmente preciso de um drástico. Sofro de constipação verbal e se o estímulo é desmedido acabo em diarréia e não o faço. O antídoto Kikuchiano? Mastigar pelo menos 80 vezes palavras e acontecimentos antes de metê-las dentro de mim. Não é fácil, não. Preciso treinar e corrigir isso. Mas há outras questões. Raquel de Queiroz comparava o ofício de escrever ao trabalho de um estivador. Minha escrita nem de longe resvala a estiva de Raquel, mas sou capaz de compreendê-la em seu exagerado esforço de dizer-se. Palavrear pensamentos, sensações, acontecimentos exige revivê-los, ressenti-los. Se conto algo que me aconteceu preciso reconstituir o acontecido numa dimensão mais ampla do próprio acontecimento. Já não é mais o acontecido, mas se o faço, amplio e amplifico e corro o risco de ser Deus a inventar o mundo através do verbo. E como dói ser Deus... Há ainda a cansativa existência testada a cada palavra, termo, vírgula, sentença. Isto ou aquilo? Eu ou o outro? Por conta disso é que vou dando descontos aos meus convidados e a mim mesma. Escrever dói e é perigoso. Mas vou insistindo. Com eles e comigo. Segue um poeminha que escrevi há muito tempo.
Escreve uma carta
Uma linha, uma palavra
Urgente
Que o mundo pode acabar agora.
Deixa um recado, um livro, um memorando
Um pedaço de ti.
Escreve com a urgência
De quem não tem mais tempo
Rascunha (com cuidado)
Não haverá tempo para passares a limpo
Não haverá tempo para burilamento ou correções
Estará limpo, burilado e corrigido
Será o limpo, o burilado e o corrigido
Pois não há poetas, gramáticos ou filósofos
Que escrevam com tanta urgência
Não há quem o interprete
Não há mais...
Não há tempo para se ter tempo
È só necessário que escrevas
Urgentemente.
Escrevamente.
Pra gente.
Uma linha, uma palavra
Urgente
Que o mundo pode acabar agora.
Deixa um recado, um livro, um memorando
Um pedaço de ti.
Escreve com a urgência
De quem não tem mais tempo
Rascunha (com cuidado)
Não haverá tempo para passares a limpo
Não haverá tempo para burilamento ou correções
Estará limpo, burilado e corrigido
Será o limpo, o burilado e o corrigido
Pois não há poetas, gramáticos ou filósofos
Que escrevam com tanta urgência
Não há quem o interprete
Não há mais...
Não há tempo para se ter tempo
È só necessário que escrevas
Urgentemente.
Escrevamente.
Pra gente.
CRIS
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