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Minhas relações com livros

Tem gente que acha que já li muito. É mentira. Abri muitos mais livros que não terminei de ler do os que li de caputi a rabo.
Acontece que desde criança dormia livros. Explico. No pequeno apartamento havia muitos livros – meu pai é quem leu bastante, acho – e independemente do lugar onde me pusessem para dormir sempre haveria uma estante com eles me vigiando. Então eu dormia e acordava com aquela livraria toda diante de meus olhos. O que foi-me de grande valia na escola, por isso nunca errei nome de obra associada a autor e aí comecei a criar fama. Com o tempo percebi que os livros organizavam-se nas estantes por assunto, correntes e escolas literárias e também usei isso, uso até hoje.
O fato é que aquilo ao invés me estimular a ler fazia-se o contrário. Eu olhava e os imaginava com imensa preguiça. Supunha esse o real motivo de estarem ali, um dia eu teria que lê-los, todos. Eu?! Queria lá eu saber de ler? Qual nada. Livro era coisa letárgica silenciosa e o mundo fora de meu quarto pulsava de beijos, cheiros, sons, corpos, cores e diagramação muito mais interessante que as tais páginas lineares em branco e preto. É bem verdade que algumas capas ou títulos seduziam-me a abri-los, folheá-los, apalpá-los. Mas até então era só isso. Ademais meu pai em rarissímas excessões trazia para a prateleira coisa que não fosse densa, um Monteiro Lobato, por exemplo, nas suas Reinações de Narizinho. Enfim, não soube eu ser Lispector menina desperta na suavidade de coisas de menina. Eram Dostoiévskis, Tostois , Machados, Kafkas intragáveis na minha alegria juvenil e na crença de que o mundo fosse outra coisa.
Antes dos livros, seduziram-me mais o tal do violão e musa música. No meu aniversário de 15 anos ganhei uma livro de Vinícius de Moraes. Já conhecia Vinícius de Tarde em Itapoã, Garota de Ipanema e Sei que vou te amar – eu era uma menina romântica e bossanovista – também, naquele apartamento eu ia fazer Rock Roll de madrugada com meus avós dormindo no quarto ao lado? E era chique ser violão bossa nova na roda de meus amigos rauseixistas. Eu era fina. Lida e fina. Bom, ganhei o tal livro - acho que o primeiro que era meu e que ia mesmo ler - e entrei no mundo da literatura pela porta da poesia nas mãos da música. Foi doce, ensaiei até fazer uma peça de teatro com versos colados, descobri outros poetinhas e fiz também versos.
Mas não estava ainda convencida da real razão dos livros. Isso se deu muito mais tarde. Os livros só puderam ser meus amantes quando aprendi a duvidar da alegria de viver. Passei por uma fase mística que não confesso aqui porque obrei tudo em verdes fezes. Ainda cria num Deus, e só quando o verbo desse também não me fazia mais sentido é que os homens doutros verbos tantas vezes tão escritos inscreveriam em mim uma religião do avesso. Foi na mais profunda tristeza e solidão que aproximei-me dos livros. Poucos. Pois há em mim ainda uma menina desconfiada de que a vida poderia ser outra coisa.
Cris
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O texto aí em cima brotou brotou assim....
Sob efeito ostinato Tom Zé e uma insistente melancolia essa semana desci da velha prateleira Euclides da Cunha, Os Sertões. Mathias disse que ler os realistas "brasileiros" é uma tortura e conquista para poucos **– e eu precisava conquistar algo essa semana ou dava um tiro na testa. E ia lendo o que já noutros tempos li e ia descobrindo que não li coisa nenhuma. E ia gostando. E ia pensando em como a minha formação paterna de moça branca de origem européia assassinou minhas origens bugres maternas. Minha avó Joana – mãe da minha mãe- foi raptada na Bahia para casar com um senhor Capixaba em Cariacica no Espiríto Santo e darem continuidade a minha gênese da qual eu pasma não sei porra nenhuma. É o efeito ostinato, do Tom Zé, será que alguém me entende? O caso é que enfiei na minha cachola que também sou lá de cima. Não quero mais ser sulista, nem branca, nem de origem européia. E leio Euclides agora pra me reinventar – não sei se vocês já perceberam mas tudo no mundo é invenção. Daí fiquei pensando como é que eu fui parar noutros tijolos literários como o de Euclides não torturadamente mas justamente para desfazer a tortura do tédio da vida. No meu caso, moça - não tão moça mais – branca, funcionária pública medíocre acachapada de resignações e blá-blá-blá... Euclides é literatura de autoajuda.
CRICA
**em tempo: Euclides, dizem, é pré- modernista ...depois faço um comentário sobre isso....

Comentários

Anônimo disse…
Hehe, Cris.
Quando tinha uns 20, achei que Os Sertões era a maior invenção de um jornalista militar.
Acho que o Euclides queria mesmo era galhofa.
Hoje tenho certeza absoluta.
Defendo que ele era monarquista, e criou o Conselheiro para dar vazão a suas crenças políticas. Uma espécie de alter ego dele.
Acho também que ele era viado e tinha um caso com algum jagunço.
Ninguém descreve a intrepidez dos jagunços como ele.
Logo tinha culpas cristãs....
Mas uma hora mando a "Estória real de Euclides e seu Sertão inexistente".
Mas Cris se eu fosse mulher, eu leria "Mulheres que correm com lobos"
Porreta este livro.
Beijos
Lampião
crica disse…
Lord Lampião,

Essa tua homofobia já foi longe demais...Acho que aí tem , hein?
Quem dedenha muito quer comprar, já dizia vovó... E se os Sertões de Euclides non è vero, è bene trovato, tá?! Aliás de verdades em verdades constróem-se as mentiras mais belas e vice-versa - que literatura realista , o caralho! Perfumes da realidade a gente encontra até no mais fantástico de Coltazar, Borges ou Garcia Marques.. Literatura é invenção, tudo é só invenção- eu e você inclusive. Obrigada por me lembrar sobre o livro da junguiana Pinkola Estés, é meu de cabeceira, abro-o de vez em quando - releio as mais significativas, como a da menina de sapatinhos vermelhos -identificação, vivo perdendo as pernas por bailar demais.
Mas Lampi, se você fosse mulher, leria também Camile Paglia? Tenho o Personas e aquilo já mexeu um pouco comigo, mas foi em Vampis e Vadias que me deu aquele surto de medir picas, lembra? Quase virei uma Drag Queen... Melhor eu me masturbar com os jagunços de Euclides, nesse ponto você tem razão - que homens são os jagunços de Euclides? Rapaz, aliás... você assistiu o O Homem que desafiou o diabo? O filme é baseado no romance "As Pelejas de Ojuara", de Nei Leandro de Castro, você conhece esse cara? Diz que ele escreve também poesia erótica como Zona Erógena e Era uma Vez Eros...fiquei curiosa vou fuçar por aí. O filme achei uma belezura e recomendo - eu e Isadora que também adorou.
Bjsertões
Cris
PS recebeu o email com meu endereço e tel?
Anônimo disse…
Vamos lá:
Sou homofóbico por conta de editoras.
Em editoras trabalham muitos viados, é impossível trabalhar com meia dúzia deles e não se tornar homofóbico.
Já faz tempo que não sei o que é realidade ou não, desde Platão não sei mais, e com o Einsten só piorou a falta de percepeção para estas coisas.
Minha estórinha preferida do livro é o Pele de Foca, depois disto passei a tratar melhor as mulheres.
Já li sim a Camile e acho que ela não tem haver com o Brasil, com latinos em geral, é uma escritora para anglo-saxões travados.
Nunca assisto cinema nacional, é mania antiga. Só abro excessões por conta dos filhos, mas é raro.
Assim como na literatura adoro cinema lixo, menos cinema lixo nacional depois de 85.
Não recebi não seu endereço nem telefone.
Uma última coisa, ainda não me conformo com o centenário de Machado ter passado em branco na cidade.
Podem construir mais 150 Adamastores, reformar 300 Padres Bentos, ainda assim serão parvos!
Lampião

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