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CONTÍNUO OU PARADA DA PARADA

Wagner Malta Tavares
Vácuo. Precisava repetir aquilo para entendê-lo, superá-lo. Vácuo. Vazio. Oco. Suspenso. Nada antes nem depois. Um nascimento às avessas. Estava enrolada em seu umbigo. Melhor deixar rolar, que aquilo haveria de passar – dizia. Mas não pensava em outra coisa. Como pode esse oco aqui? Alugou filmes pois não conseguia se concentrar em leituras. Roubava assim fácil vidas da tela, imaginava ser a mocinha, a velha, o herói, o bandido ou qualquer coisa que lhe pudesse lembrar o gosto da vida. Em vão. Antes mesmo dos créditos finais voltava à sensação inicial. Vácuo. Pensou em tomar um porre mas seus rins estavam em pandareco e seu fígado já começava a reclamar. Isso já era alguma coisa, o sentimento de estar degenerando - pensou. Mas não bastava, não se tratava de uma crise ainda, apenas um ligeiro mal estar. Nem doer doia. E se chorasse? Tentou em vão lembrar de algo triste. Nada. Nem uma lágrima. Nem tristeza, nem alegria, apenas o vácuo. Ah, o ódio! O ódio haveria de funcionar. Fez uma lista de situações em que no dia anterior não conseguiria pensar sem ranger os dentes, tentou concentrar-se em determinadas situações, reconstituir ofensas, injúrias. Tudo em vão. Nâo sentia ódio, rancor, nem raiva, nada. Vácuo. Resolveu ir dar uma volta para provocar ou ser provocada por alguma situação. Entrou na padaria, encarou o português mal humorado que antes lhe repugnava mas não havia nem sombra da antiga sensação em relação ao gajo. De volta à rua levou à boca um cigarro sem vontade nenhuma de fumá-lo e apenas por um velho hábito o acendeu mas logo o pôs fora. Era fim de tarde. Um colorido céu de outono que em quase toda sua vida emocionara-lhe, ali, não lhe dizia coisa alguma. Pisou num cocô de cachorro e nem percebeu sua ausente repugnância e sequer proferiu um impropério. Apenas limpou a sandália e caminhou em direção ao nada. Uma vertigem lhe fez por um instante tremer a alma, e se nunca mais sentisse? E se para sempre aquele sentimento vazio incompreensivelmente instalado nela nunca mais dali escapulisse? Poderia viver assim? Mas e essa vertigem? Não era isso alguma coisa que se sentissse? Medo? Medo?! Podia sentir medo! E deixou essa sensação crescer. E cresceu.... Ainda podia sentir medo. Um medo com o qual ela agora traduzia sua vida. Um medo que a humanizava entre a coragem e a covardia de virar mais uma vez a esquina inda que nunca mais nada sentisse na longa e absurda travessia.
CRIS

Comentários

Anônimo disse…
Eu já tinha prometido parar com o confete.
Mas não tem jeito, poderia le-la a vida toda.
Lamp

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